A Minha KIZOMBA 

por João Reis

Não sendo este, um documento com rigor científico, importa referenciar a obra de Pedro David Gomes – “Cultura Popular e Império | Capítulo 14 | Folclore e ritmos modernos na cidade colonial – classe, raça e nação na história da música urbana de Luanda”, da qual nos socorremos, para necessária justificação do trabalho de curadoria solicitado pelo meu amigo Nástio Mosquito a quem, com profundo respeito e admiração, dedico “A minha Kizomba” – a playlist (em actualização permanente). Trata-se de uma preferência pessoal, procurando reduzir as susceptibilidades, tendo como foco exclusivo, o que nos une, A KIZOMBA. 

(Muito breve) Introdução

Até meados do século XX, Luanda, a cidade capital de Angola, teve um desenvolvimento moderado, e com a chegada maciça de colonos e migrantes de várias outras colónias, a par do desenvolvimento comercial e industrial, registou-se um aumento populacional que provocou a rápida expansão urbana. Os novos bairros foram ampliando as zonas suburbanas, conhecidas localmente por “musseques”. 
Foram edificados “bairros populares”. 

Destes novos processos de urbanização resultaram novos estilos de vida que se manifestaram nas práticas culturais. Neste período, o samba, o tango, o baião, as danças de salão europeias e as músicas afro- caribenhas imperavam nas festas e salões luandenses. 

Já nos anos 60, com a chegada do rock (também designado por yé-yé), verificou-se forte impacto na juventude, especialmente a de ascendência europeia. Contudo, nos musseques, o fulgor do rock veio a perder força, no final dessa década. 

Nos anos 60 surgiram inúmeras “gravadoras” – Fábricas e editoras de discos, em Angola. Em Luanda surgiram novas práticas e espaços de entretenimento – Cinemas, boates, cabarés, discotecas – Alguns deles, verdadeiramente emblemáticos. 

E assim, as “farras do musseque” ganharam popularidade na periferia, com “farras” para todos os gostos, a cada dia da semana, em locais específicos. Havia já a “consciência” nacionalista patente nalgumas composições, apesar da censura imposta pelo regime colonial. 

Os grupos musicais dividiam o seu reportório entre a “música moderna” e a “música popular angolana” que viria a ser consagrada com o nome de “Semba”. O termo “Semba”, eventualmente derivará da prática performativa “massemba”, uma dança de umbigada, executada por pares de dançarinos, também designada por “rebita”. Há registo de grupos musicais, ou “conjuntos”, que enobrecem o imaginário cultural angolano, e destes, imergiram músicos, motivo de orgulho nacional. 

A massemba, ou rebita, terá o seu registo mais antigo na primeira metade do sec. XIX - “uma dança de corte, de longínqua raiz italiana” e da mutação dessa dança, que chegou a Angola por via do Brasil e Cuba, resultou uma reinterpretação segundo a tradição africana. 

O semba é também resultado de adaptações e conjugações de ritmos e danças, nomeadamente as de Carnaval de Luanda como a kazukuta, a cabetula, o kaduko, a maringa e a dizanda. 

A kizomba 

A kizomba, um ritmo musical envolvente e apaixonante, surgiu da expressão na língua angolana kimbundu, cujo significado é “festa” ou “celebração”, termo atribuído a uma forma de dançar. Combinando elementos musicais e dançantes de diferentes influências culturais, a kizomba ganhou popularidade ao redor do mundo e tornou-se um fenómeno global. 

A história da kizomba, tem como fundamentais as décadas de 1980 e 1990, e resulta da circunstância política e social de Angola, que alcançou a sua independência da ocupação colonial em 1975, mergulhando de imediato numa guerra civil que durou cerca de 3 décadas. Neste período surgiram inúmeras composições de caracter político/ nacionalista. 

A guerra civil provocou um êxodo massivo, tanto das populações do interior para a capital, como para o exterior do país. 

As privações, vividas pelas populações, propiciaram convívios ou vivências, muito próprios. As festas, eram vividas mais intensamente. 

O “recolher obrigatório” – medida administrativa que proibia a circulação entre a meia-noite e as seis da manhã, foi implementada em Angola, durante anos – contribuiu para que as festas se realizassem sem que os convivas se retirassem antes do horário de fim da proibição. 

Os angolanos exilados, por outro lado, por outros motivos, prestaram-se a reuniões e convívios, em torno da sua cultura e vivência, próprios do saudosismo, da memória cultural da sua terra natal. 

Necessariamente, os grandes “conjuntos” deram lugar a agrupamentos mais reduzidos e com a evolução tecnológica, surgiram as produções musicais “mais económicas”, por via de sintetizadores e caixas rítmicas, e assim, nos anos 80 surgiu um novo movimento cultural. 

Sendo Luanda o centro natural deste novo movimento, assistiu-se também a uma forte participação da comunidade angolana radicada no exterior, principalmente em Portugal, onde já existiam algumas editoras de música africana, predominantemente cabo-verdiana. Por via de questões técnicas, alguns dos produtores radicados em Angola, recorriam ao mercado português, para efectuar as suas gravações e masterizações. 

Neste período, os DJ evoluíram das “cassettes” para o vinil. Os poucos privilegiados que tinham acesso aos LP’s, cediam gravações em cassettes aos “selectores musicais”, responsáveis pelas festas. Com os espaços mais requintados, surgiram os primeiros DJ a fazer uso de tecnologia “moderna” para mistura de música - leitores de discos com alteradores de velocidade - e posteriormente CDs. 

Inicialmente, a expressão “kizomba” referia- se à forma de dançar resultante da memória cultural luandense. Anteriormente, essa forma de dançar não tinha uma designação única – para alguns era “merengue”, ou “passada” e tantas outras designações. 

Só mais tarde se veio a chamar à forma de dançar, bem como “ao estilo musical” ... KIZOMBA. 

Os temas das músicas eram, basicamente, de caracter romântico, acerca do quotidiano, lamentos, algum protesto social, com certo humor e todas elas, fazendo uso de termos ou expressões tradicionais ou mesmo gíria/ calão, sem qualquer complexo. 

Geração da kizomba 

Tive o privilégio de trabalhar na PRIMEIRA discoteca “angolana” em Lisboa, o Kandando. 

Note-se que já existiam “outros” espaços onde se realizavam matinés regulares, ou restaurantes adaptados aos convívios de “africanos”, nomeadamente a Lontra, Bom- Tom, Bana’s ou a Clave di nós, estes de conceito caboverdiano. Destaco então, um espaço chamado “If...”, onde o Lendário Carlos Alberto Flores “Cabé” ensaiou o seu primeiro conceito “angolano” de club. 

O Kandando, foi um projecto iniciado por “Cabé”, um notável organizador de festas, com uma selecção de excelência, de quem “subtraí”, ainda que por pouco tempo, 

a base para uma carreira como DJ, que já vai para quase 4 décadas. Este espaço requintado estava perfeitamente equipado e sonorizado. Tornou-se o novo padrão, na noite de Lisboa. 

Na sequência do Kandando, inauguraram- se outros espaços que modificaram, definitivamente, o gosto musical lisboeta, europeu e mesmo o ANGOLANO. 

Importa referenciar a “noite” de/em Luanda e alguns dos seus espaços, que contribuíram para a edificação da Kizomba: Beto Carneiro, Bingo, Chiuaua, Cunene 3000, Don Q, Kassendão, Kilamba, Maiombe, Marialvas, Mathieu, Paralelo 2000, Pensador, Tartaruga ... e tantas outras. 

Penalizo-me, por só ter tido o privilégio de conhecer uma parte destas. 

Partilho então, UMA playlist dividida em 3 grupos, resultante da minha experiência, com o receio e preocupação de poder ter deixado conteúdo importante, de fora. 

Esta é parte da minha Kizomba.

  • How Kizomba Designs the World!

    Kelly Schacht

    A museum is traditionally understood (from a Western perspective) as an institution, whether it be physically or nowadays often virtually, that collects, preserves, researches, interprets, and exhibits objects or artefacts of cultural, artistic, historical, or scientific significance for the benefit of the public. Playing a crucial role in preserving and presenting our collective heritage and knowledge.

    Following this train of thought, a design museum would then acquire, document, and preserve a wide range of design objects, including furniture, industrial products, graphic design, materials, fashion, architecture models, digital interfaces, and more. These objects represent significant examples of design history, innovation, and creativity.

  • Yolanda

    Marissa J. Moorman

    When I moved to Luanda in 1997, Angolans were five years into another period of civil war, living again in an extended state of various vulnerabilities.

    From November that year until my departure in August 1998, I conducted research in the national archives and explored Luanda’s music scene, work that would become a cultural history of Angolan nationalism and the popular music scene of the 1960s and 1970s.

  • Do AfroZouk ao Kizomba: os ritmos do Semba, Coladera, Gumbé, Marambenta e Puita dançam ao passo da nova batida

    Miguel de Barros

    Com a proclamação das independências nos Países Africanos da Língua Oficial Portuguesa – PALOPs ou comummente designados “os cinco“ (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe) – entre 1973-75, a luta pela emancipação e construção contra-colonial ganhou pujança através de novas formas de organização da vida política, económica e social que procuraram, através da dimensão cultural, projetar a construção de novas narrativas e formas de manifestação identitárias capazes de mobilizar coletividades para modelos de vivências baseadas na africanidade enquanto espaço e meio produtor de modernidades.

  • Kizomba

    Quito Ribeiro

    É difícil lembrar quando a gente ouviu uma palavra pela primeira vez. É preciso que tenha sido um evento muito forte para que isso aconteça. A memória edita os acontecimentos - sejam eles linguísticos ou de qualquer outra natureza - quase que à nossa revelia. Ela é prodigiosa em transformar tudo em ficção. Pois então, os eventos devem ter um impacto no nosso corpo e na nossa consciência de tal sorte que indiquem à memória que se trata de algo memorável. Tudo isso devem ser devaneios de um especulador sobre a neurociência. Mas é assim que, no exercício da linguagem, vamos levantando questões e alimentando as curiosidades e contando caso e fofocando.

  • Kizombar el pasado

    Tania Safura Adam

    Los sábados por la mañana teníamos la costumbre de hacer limpieza general en la casa. Amina distribuía las tareas entre mi hermana y yo, de tal manera que nos turnábamos o bien el salón y las habitaciones, o la cocina, los baños y la compra. Los fines de semana del salón eran los mejores porque elegías la música, aun así, nos sentíamos atrapadas en ese lastre doméstico. Éramos niñas y teníamos aprender a llevar la casa. Era nuestra obligación, pero solo nosotras lo cuestionábamos.

    Desde bien temprano, ya sonaban kizombas, sembas, mornas, coladeiras y zouks en la cadena de música hifi Sony del salón. Era una torre de casi metro y medio envuelta en madera con una puerta de cristal y dos altavoces colocados estratégicamente en las esquinas. En la parte superior tenía un plato para los vinilos, luego un sintonizador de radio, un amplificador, un lector de casetes otro de Cd y abajo, guardábamos algunos Lp’s.

  • Kizomba com saudade

    Yara Nakahanda Monteiro

    Numa das fotografias do meu álbum de infância celebra-se a festa com a dança de par: Kizomba. A imagem fora registada num salão da casa da minha família, no Huambo, em 1979.

    Em primeiro plano, uma mesa coberta com uma toalha branca está elegantemente decorada com diversas pequenas jarras com flores, sobre esta bolos, sobremesas e outras doçarias.

    Olhando com atenção, na beira da mesa está um copo de cerveja abandonado. É plausível acreditar ter o copo sido ali deixado, à pressa, por um dos dançarinos retratados na fotografia. Talvez uma Kizomba tenha despertado a sua vontade para dançar e fora procurar par.

  • Una nación llamada Kizomba

    Yuliana Ortiz Ruano

    Como afroecuatoriana, siento que algo se ha perdido. Hay una sensación de extranjería constante, un no saber para dónde mirar, dónde depositar el cuerpo y expandir las extremidades. Aquí entra la dimensión personal, no la general, no puedo hablar por los otros afrodescendientes de este territorio. Voy a decirlo así: a veces no reconozco el lugar de la nacionalidad ecuatoriana como propia, estoy convencida de que eso tiene que ver con mi afrodescendencia.

    Por eso, aprendí portugués a los dieciocho años como regalo de mayoría de edad. Mi madre me dijo: "¿Por qué no terminas inglés?", y no supe qué responder. Había en mí una pulsión impalabrable que me llevó con urgencia a adentrarme en ese idioma.