Do AfroZouk ao Kizomba: os ritmos do Semba, Coladera, Gumbé, Marambenta e Puita dançam ao passo da nova batida
por Miguel de Barros
Com a proclamação das independências nos Países Africanos da Língua Oficial Portuguesa - PALOPs ou comummente designados “os cinco “(Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe) - entre 1973-75, a luta pela emancipação e construção contra-colonial ganhou pujança através de novas formas de organização da vida política, económica e social que procuraram, através da dimensão cultural, projetar a construção de novas narrativas e formas de manifestação identitárias capazes de mobilizar coletividades para modelos de vivências baseadas na africanidade enquanto espaço e meio produtor de modernidades.
Se durante o período da luta para a independência a oralitura, particularmente o canto-poema foi o elemento charneiro da resistência, no pós-independência (embora alguns países tenham apostado no ballet nacional (tradicional) como forma de celebração da diversidade etnocultural dos povos) foi efetivamente a música popular que se projetou como o meio de difusão dos valores e legados da resistência, das conquistas, dos sonhos e ambições das novas sociedades.
Em voga estava o conceito do “Homem Novo”. Parafraseando Amílcar Cabral: “o que quer o homem africano, é a soberania total, pensar pelas suas próprias cabeças, marchar com os seus próprios pés e ter a dignidade como qualquer povo do mundo.” Isso foi traduzido em programas educativos baseados na reconstrução do sistema educativo que agregou uma forte componente cultural, particularmente através do ensino da música. Paralelamente a primeira década do pós-independências foi marcada pelo surgimento de bandas e orquestras nacionais, extremamente populares que cantavam em línguas nacionais e locais, servindo-se igualmente de formas de mobilidade de grupos sociais populares e periféricos no espaço público até então segregados pelo sistema colonial.
Como elemento de contacto, a organização de festivais particularmente da Juventude, abarcando várias formas de manifestações culturais, eram o elo de contacto e de intercâmbio entre essas orquestras e bandas, tanto em África como na América Central e do Sul e Caraíbas. Esses agrupamentos passaram a ser a nova cara desses países com sociedades sofridas e as suas músicas (em cada um dos países) ganharam estatutos de clássicos e de hinos à memória dessas lutas de libertação, reforçando assim as influências da afro-salsa ou afro-rumba que já estavam em voga em alguns países como o Congo, Camarões e Senegal, sobretudo pela combinação entre a guitarra, repercussão e instrumentos de sopro, corroborando os movimentos rápidos e a alegria da dança libertadora.
Com advento da liberalização económica e da democracia, num contexto de falência económica e financeira dos Estados africanos, estes tiveram que adotar politicas neoliberais chamadas de “Ajustamento Estrutural” com incidência forte na redução da capacidade de produção, proteção social e desinvestimento no setor cultural. Neste contexto os agrupamentos e as bandas entraram em decadência e alguns dos seus membros mais notáveis e as vezes todo o agrupamento tiveram que sair do país (e na maior parte das vezes para o Ocidente) à procura de melhores condições de vida, contribuindo para que muitos seguissem carreiras a solo.
Nessa fase a erupção dos Kassav - a partir do crioulo e ritmos atilianos - no panorama musical internacional configurou uma forte mudança de paradigma na produção, distribuição e consumo musical, o que abriu caminho a vários atores individuais e coletivos africanos na produção de uma nova musicalidade chamada de Zouk. O seu sucesso ganhou uma dimensão internacional, primeiramente com a integração do reggae e da salava nas Caraíbas. Depois, em 1995, com o lançamento do seu segundo álbum de originais (Yelélé) ganhou o mercado ao nível global com o timbre Afro-Zouk.
No contexto dos PALOPs, três países se destacaram na produção e difusão deste estilo, mas com roupagens de estilos populares locais como Semba (Angola), Coladera (Cabo Verde) e Gumbé (Guiné-Bissau). Angola protagonizou um maior efeito desse processo através de agrupamentos como os SOS, Tropical Band e de individualidades como Eduardo Paim e Paulo Flores ao ponto de fazerem emergir um novo estilo chamado Kizomba - uma palavra na língua Kimbundu que significa festa em proclamação da liberdade.
Kizomba ganhou mercado com o surgimento de editoras nas Diásporas negras e afrodescendentes (particularmente em Portugal, na Holanda, EUA e em França) repercutindo fortemente nos países africanos como um produto cultural de massa. Foram várias as entidades que se afirmaram e popularizaram com o Kizomba no âmbito dos PALOPs como os Tabanka Djazz, Janota di Nha Speransa (Guiné-Bissau), os Livity, Gil & Perfects, Splash (Cabo Verde), Irmãos Verdade (Angola), Camilo Domingos e Juka (São Tomé e Príncipe) dando a este estilo uma dimensão de apropriação e patrimonialização como um bem cultural indivisível, fator de coesão e celebração, onde os povos se encentram e se reconhecem.
Outro dos elementos cruciais na popularização e universalização do Kizomba é a sua componente de dança com várias métricas, passos e coreografias corporais. As instâncias variam do que é caracterizado como “Passada” passos simples, transitando para “Meia Batida” com movimentos previsíveis laterais e frontais e “Batida”, criando formas de movimentos mais complexos e envolvimento corporal do par sob forma leve e fluida ganhando assim os espaços das noites em discotecas dentro e fora do continente africano.
Na atualidade o elemento de maior dinamismo na consolidação da internacionalização do Kizomba é a sua componente de dança, com escolas em todos os cantos do globo e ser compreendida como uma forma pedagógica de terapia individual e coletiva. Deste modo o Kizomba enquanto instância produz formas de mobilidade de produtos e serviços culturais e como meio favorece a disseminação de culturas pluriversidades capazes de evidenciar formas de estar de coletivos populares enquanto entidades portadoras de saberes cujos significados contribuem para o bem-estar social coletivo.
Ao lermos e interpretarmos a geografia do Kizomba, podemos ver porque é que o Arjun Appadurai define a “cultura como o grande contraponto da economia” que contribui para novas formas de organização espacial, sistemas de comunicação, para a mobilização social, formas de trabalho e de empregos, serviços culturais, desenvolvimento de territórios, representações culturais e representatividades cívicas integradoras, e deste modo “reconhecer a produção de novos imaginários sobre o futuro, enquanto possibilidades de fortalecimento das aspirações dos povos!
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A Minha KIZOMBA
Não sendo este, um documento com rigor científico, importa referenciar a obra de Pedro David Gomes – “Cultura Popular e Império | Capítulo 14 | Folclore e ritmos modernos na cidade colonial – classe, raça e nação na história da música urbana de Luanda”, da qual nos socorremos, para necessária justificação do trabalho de curadoria solicitado pelo meu amigo Nástio Mosquito a quem, com profundo respeito e admiração, dedico “A minha Kizomba” – a playlist (em actualização permanente). Trata-se de uma preferência pessoal, procurando reduzir as susceptibilidades, tendo como foco exclusivo, o que nos une, A KIZOMBA.
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How Kizomba Designs the World!
A museum is traditionally understood (from a Western perspective) as an institution, whether it be physically or nowadays often virtually, that collects, preserves, researches, interprets, and exhibits objects or artefacts of cultural, artistic, historical, or scientific significance for the benefit of the public. Playing a crucial role in preserving and presenting our collective heritage and knowledge.
Following this train of thought, a design museum would then acquire, document, and preserve a wide range of design objects, including furniture, industrial products, graphic design, materials, fashion, architecture models, digital interfaces, and more. These objects represent significant examples of design history, innovation, and creativity.
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Yolanda
When I moved to Luanda in 1997, Angolans were five years into another period of civil war, living again in an extended state of various vulnerabilities.
From November that year until my departure in August 1998, I conducted research in the national archives and explored Luanda’s music scene, work that would become a cultural history of Angolan nationalism and the popular music scene of the 1960s and 1970s.
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Kizomba
É difícil lembrar quando a gente ouviu uma palavra pela primeira vez. É preciso que tenha sido um evento muito forte para que isso aconteça. A memória edita os acontecimentos - sejam eles linguísticos ou de qualquer outra natureza - quase que à nossa revelia. Ela é prodigiosa em transformar tudo em ficção. Pois então, os eventos devem ter um impacto no nosso corpo e na nossa consciência de tal sorte que indiquem à memória que se trata de algo memorável. Tudo isso devem ser devaneios de um especulador sobre a neurociência. Mas é assim que, no exercício da linguagem, vamos levantando questões e alimentando as curiosidades e contando caso e fofocando.
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Kizombar el pasado
Los sábados por la mañana teníamos la costumbre de hacer limpieza general en la casa. Amina distribuía las tareas entre mi hermana y yo, de tal manera que nos turnábamos o bien el salón y las habitaciones, o la cocina, los baños y la compra. Los fines de semana del salón eran los mejores porque elegías la música, aun así, nos sentíamos atrapadas en ese lastre doméstico. Éramos niñas y teníamos aprender a llevar la casa. Era nuestra obligación, pero solo nosotras lo cuestionábamos.
Desde bien temprano, ya sonaban kizombas, sembas, mornas, coladeiras y zouks en la cadena de música hifi Sony del salón. Era una torre de casi metro y medio envuelta en madera con una puerta de cristal y dos altavoces colocados estratégicamente en las esquinas. En la parte superior tenía un plato para los vinilos, luego un sintonizador de radio, un amplificador, un lector de casetes otro de Cd y abajo, guardábamos algunos Lp’s.
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Kizomba com saudade
Numa das fotografias do meu álbum de infância celebra-se a festa com a dança de par: Kizomba. A imagem fora registada num salão da casa da minha família, no Huambo, em 1979.
Em primeiro plano, uma mesa coberta com uma toalha branca está elegantemente decorada com diversas pequenas jarras com flores, sobre esta bolos, sobremesas e outras doçarias.
Olhando com atenção, na beira da mesa está um copo de cerveja abandonado. É plausível acreditar ter o copo sido ali deixado, à pressa, por um dos dançarinos retratados na fotografia. Talvez uma Kizomba tenha despertado a sua vontade para dançar e fora procurar par.
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Una nación llamada Kizomba
Como afroecuatoriana, siento que algo se ha perdido. Hay una sensación de extranjería constante, un no saber para dónde mirar, dónde depositar el cuerpo y expandir las extremidades. Aquí entra la dimensión personal, no la general, no puedo hablar por los otros afrodescendientes de este territorio. Voy a decirlo así: a veces no reconozco el lugar de la nacionalidad ecuatoriana como propia, estoy convencida de que eso tiene que ver con mi afrodescendencia.
Por eso, aprendí portugués a los dieciocho años como regalo de mayoría de edad. Mi madre me dijo: "¿Por qué no terminas inglés?", y no supe qué responder. Había en mí una pulsión impalabrable que me llevó con urgencia a adentrarme en ese idioma.